Talvez você já tenha ouvido falar a respeito da medicalização do corpo feminino e do parto. Pois bem! Vamos entender mais um pouco sobre o que é isso e de como ela afetou a autonomia da mulher!!!
O modelo tecnocrático, conforme descrito por Davis-Floyd, representa a corrente de pensamento convencional que norteia a prática da assistência obstétrica há várias décadas e que surge com a entrada do homem no atendimento ao parto, e com sua institucionalização situando e elevando a mulher na condição de paciente, sem autonomia sobre o seu corpo, separada dos familiares e do próprio filho ao nascer. O parto é encarado como um processo patológico, de caráter intervencionista e biologicista. Nesse modelo, a mulher
perde sua autonomia, deixando o profissional escolher qual conduta seguir. Inúmeros procedimentos tecnocráticos são incorporados como rotina na assistência ao parto constituindo uma prática mecanizada, como o são os procedimentos de tricotomia da região genital, a enteróclise, a episiotomia e a anestesia. Para Vieira que cita Miles, medicalizar significa transformar aspectos da vida cotidiana em objeto da medicina de forma a assegurar conformidade às normas sociais. A posição ocupada pelo Brasil atualmente, como um dos países com as maiores taxas de cirurgias cesarianas, é reflexo do processo de medicalização do corpo feminino que ocorreu e vem ocorrendo ainda hoje.
Esse modelo também tem como característica a adoção de rotinas rígidas que levam à despersonalização das gestantes e à supervalorização da tecnologia em prol da segurança durante o trabalho de parto, atribuindo à cesariana uma conotação banal, muitas vezes realizada por conveniência dos envolvidos no processo (hospitais, equipe médica, ou mesmo a própria mulher grávida), independente da urgência obstétrica. Diniz e Chacham ao citarThe better birth initiative, ainda salientam que o uso crescente da tecnologia na gravidez também tem como conseqüência o direcionamento da atenção do médico para o feto, deixando a atenção com a mãe em segundo plano.Vemos, também, que muitas medidas tomadas priorizam a higiene pensando em favorecer o indivíduo, ficando esquecidos os aspectos espirituais, psicológicos e sociais das parturientes, além da separação mãe-bebê (berçário) que foi utilizada por muitos anos como forma de aumentar a segurança (ou controle).
Vieira (1999) descreve que o processo de medicalização do corpo feminino teve início 300 anos antes da institucionalização do parto como evento hospitalar e do estabelecimento da obstetrícia como disciplina médica.
Com a crescente medicalização do parto no final do século XIX e por quase um século, o nascimento interessou basicamente aos médicos, que foram por muito tempo os seus principais porta-vozes. Na Maternidade Port-Royal de Paris, no século XIX, as parteiras-chefes continuaram tendo primazia. Contrariamente ao que ocorria na maioria dos hospitais e maternidades francesas e européias, onde os médicos eram empossados como chefes de maternidades, naquela instituição as parteiras mantiveram sua ascendência sobre os parteiros, controlando os partos e sendo responsáveis pela formação de parteiras. Ao longo do século, foram diretoras do estabelecimento e se firmaram como 'verdadeiros cirurgiões', fazendo operações e usando instrumentos, como o fórceps, apesar de proibidos por lei.
No Japão, o processo também não foi simples nem linear, as parteiras formadas e diplomadas por médicos se colocaram como agentes da medicalização e receberam apoio de diferentes grupos, entre eles as autoridades da higiene, interessadas na introdução dos princípios de assepsia no Japão. Porém, a substituição das parteiras tradicionais pelas medicalizadas não foi imediata: não só coexistiram por muito tempo, como, em algumas regiões, as parteiras diplomadas acabaram fazendo treinamento com as 'desqualificadas' parteiras tradicionais, seja pela falta de lugar para a prática obstétrica, seja para ter acesso a uma clientela fiel e resistente às novas técnicas.
Françoise Thébaud discute a medicalização do parto e da maternidade na França, no período entre as duas guerras (1919-1939), quando várias medidas foram tomadas em vista do decréscimo de nascimentos. Foi, então, elaborada uma agenda natalista, com o objetivo de salvar as mães e, sobretudo, as crianças. Ao lado de mudanças nas políticas sociais (como o seguro-maternidade) foram programadas reformas sanitárias visando a diminuir a mortalidade materna e a infantil, destacando-se entre elas a remodelação e a ampliação dos serviços nas maternidades, a transferência dos partos no domicílio para as maternidades e a criação de uma série de outros serviços que iam desde o pré-natal até o desmame. Se tais medidas tiveram repercussão na vida das parturientes e dos bebês, também refletiram na situação profissional das parteiras, que viram seu campo de trabalho invadido não apenas por médicos, mas também por profissionais como enfermeiras, visitadoras sanitárias e assistentes sociais.
No Brasil, até o começo do século XIX, os médicos só atendiam aos casos mais graves, de doenças mais sérias ou em casos de partos complicados que colocassem em risco a vida da mãe ou da criança. Alguns depoimentos atestam a raridade com que se solicitava a presença de um médico no momento do parto, muitas vezes em virtude do “excesso de pudor” em relação ao profissional homem. De um modo geral, a medicina até então não intervinha muito no aparelho genito-urinário e nas “enfermidades femininas”. O tratamento, quando empreendido por médicos, era mais de caráter clínico e paliativo, especialmente quando se tratava das doenças que se manifestavam mais amiúde nos corpos femininos. Mas, a partir dessa época, o corpo feminino passa a interessar mais aos médicos e os estudos obstétricos tornam-se mais frequentes. Nota-se também uma preocupação maior em modificar e melhorar as condições do ensino e da prática da medicina no Brasil, incluindo a obstetrícia. Em 1809, a Arte Obstétrica passa a ser lecionada na Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro e a cadeira de Partos, que constava do currículo das Academias Médicas Cirúrgicas do Rio de Janeiro e Bahia, é integrada definitivamente quando estas se transformam nas prestigiadas Faculdades de Medicina, criadas em 1832. Com as reformas pelas quais passou a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro a partir de 1879, criou-se a cadeira de “Clínica obstétrica e ginecológica”.
No Brasil, até o começo do século XIX, os médicos só atendiam aos casos mais graves, de doenças mais sérias ou em casos de partos complicados que colocassem em risco a vida da mãe ou da criança. Alguns depoimentos atestam a raridade com que se solicitava a presença de um médico no momento do parto, muitas vezes em virtude do “excesso de pudor” em relação ao profissional homem. De um modo geral, a medicina até então não intervinha muito no aparelho genito-urinário e nas “enfermidades femininas”. O tratamento, quando empreendido por médicos, era mais de caráter clínico e paliativo, especialmente quando se tratava das doenças que se manifestavam mais amiúde nos corpos femininos. Mas, a partir dessa época, o corpo feminino passa a interessar mais aos médicos e os estudos obstétricos tornam-se mais frequentes. Nota-se também uma preocupação maior em modificar e melhorar as condições do ensino e da prática da medicina no Brasil, incluindo a obstetrícia. Em 1809, a Arte Obstétrica passa a ser lecionada na Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro e a cadeira de Partos, que constava do currículo das Academias Médicas Cirúrgicas do Rio de Janeiro e Bahia, é integrada definitivamente quando estas se transformam nas prestigiadas Faculdades de Medicina, criadas em 1832. Com as reformas pelas quais passou a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro a partir de 1879, criou-se a cadeira de “Clínica obstétrica e ginecológica”.
Além disso, investia-se muito na regulamentação das práticas das
parteiras mulheres. Já, em 1832, estava criado um curso de partos para que elas
aprendessem de acordo com os preceitos da ciência a “correta” maneira de
atender às mulheres no momento do parto e os primeiros cuidados com a criança.
Passou-se a propagar a ideia das parteiras com certificado concedido pelos
médicos. Essas tornam-se as mais legítimas e requisitadas pelas famílias mais
poderosas e “civilizadas”. É nessa época que também desembarcam no Rio de
Janeiro parteiras francesas formadas em seu país e que traziam novas técnicas e
prescrições. Muitas ganham fama e prestígio, gozando de um status pouco
comum às mulheres de sua época. Cada vez mais os médicos vão tomando a
frente no gerenciamento da saúde feminina e da reprodução. Vão se
especializando e investindo no controle das práticas relativas ao corpo
feminino. A influência das parteiras é crescentemente defasada. Quando surgem
as primeiras maternidades no Rio de Janeiro, as parteiras diplomadas são
convocadas ao trabalho, mas sob o controle dos médicos. A autoridade de
ginecologistas e obstetras sobre o comportamento das mulheres no final do
século XIX ultrapassa em muito o domínio dos consultórios. E principalmente
ultrapassa o domínio do físico, do orgânico ou mesmo do psíquico para se
instalar no domínio do moral. A crescente especialização médica sobre o corpo
feminino aliada ao clima intervencionista mais geral que caracteriza a medicina
do século XIX são fatores implicados nesse processo.
Referências:
MOTT, M.L.. Parto. Rev. Estud. Fem., Florianópolis , v. 10, n. 2, July 2002 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2002000200009&lng=en&nrm=iso>. access on 07 June 2014.
ROHDEN, F. Fragmentos
da história da medicalização do parto: da indecência moral ao domínio médico. Rio de janeiro, FIOCRUZ, 2003. Disponível em:
<http://www.coletiva.org/site/index.php?option=com_k2&view=item&id=139:fragmentos-da-hist%C3%B3ria-da-medicaliza%C3%A7%C3%A3o-do-parto-da-indec%C3%AAncia-moral-ao-dom%C3%ADnio-m%C3%A9dico&tmpl=component&print=1>.
Acesso em 07 de Junho de 2014
SEIBERT, S.L.; BARBOSA, J.L.S.; SANTOS, J.M.; VARGENS, O.M.C. Medicalização X Humanização: O cuidado ao parto na história. R. Enferm. UERJ.V. 13, 2005.
Imagens: Google Imagens
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