sábado, 7 de junho de 2014

História do Parto!

    Vivemos, hoje, no Brasil, uma situação alarmante, onde o número de partos cesários está entre os mais altos do mundo, podendo ultrapassar 80% dos casos em instituições hospitalares privadas, além da adoção indiscriminada de práticas desnecessárias, atribuindo-se ao parto normal, muitas vezes, uma conotação negativa perante as mulheres. Sabe-se que tanto a mortalidade materna quanto as esterilizações cirúrgicas estão diretamente relacionadas ao uso abusivo de cesarianas no Brasil, e mesmo assim não temos mecanismos eficientes para seu controle e regulação, submetendo mulheres e recém-nascidos a riscos desnecessários.
   
Desenho japônes de 1930. Fonte: google.com.br
O cuidado prestado à mulher durante o processo de parir sofreu muitas modificações através dos tempos, decorrentes da medicalização e institucionalização do parto, dos avanços tecnológicos e do desenvolvimento da medicina. Apesar desses avanços terem correspondido às expectativas de queda da mortalidade materna e principalmente infantil, eles contribuíram para que hoje a parturiente seja a paciente, sem direito sobre o próprio corpo, violada e muitas vezes desrespeitada como ser humano e cidadã – plena de direitos. Ao refletirmos criticamente sobre a dominação do corpo da mulher, percebemos a demarcação do corpo da gestante com nomes médicos, característicos do gênero masculino, sendo eles usados como alguns dos dispositivos simbólicos de dominação. 
    No passado, o parto era acompanhado por mulheres em ambiente domiciliar, por parteiras ou comadres, que eram pessoas de confiança da gestante ou de experiência reconhecida na comunidade, que tinham algum saber acerca dos mecanismos de reprodução. A participação masculina até o século XII era muito pequena, contrária aos padrões culturais dominantes na época, levando a um atraso no desenvolvimento de
uma atividade médica ligada à mulher. A assistência à parturiente era considerada assunto de mulheres, em que as parteiras criavam um clima emocional favorável, com suas crenças, talismãs, orações e receitas mágicas para aliviar a dor das contrações, e os homens apenas realizavam assistência a partos de animais.   Aos poucos a figura masculina começa a surgir no cenário do parto, marcando a forte presença do gênero existente na época. Na idade média, dominada pela igreja, tem início a atuação do parteiro-sacerdote, cuja colaboração era pedida pela parteira nos casos complicados. As parteiras, além de ajudarem no processo de parir, eram benzedeiras que recitavam palavras mágicas para auxiliar no controle da dor e no parto, além de realizar abortos, e serem cúmplices em infanticídios e abandonos, o que deu margem ao descrédito da profissão. A imagem da parteira sempre foi ambígua, podendo ser valorizada ou condenada conforme fica claro na seguinte citação:
"Ela pode ser aborteira ou denunciar mulheres que
 abortam, tornar-se cúmplice de infanticídios ou auxiliar 
a reprimi-los, facilitar o abandono de crianças
ou participar da procura de mães que doam seus filhos."
    Tal ambiguidade levou a uma intervenção do Estado e da Igreja cujos objetivos alegados eram impedir a realização de abortos e infanticídios, coincidindo com as perseguições às feiticeiras, entre as quais muitas eram parteiras que foram queimadas pelas fogueiras da Inquisição, conseguindo transformar sua prática em uma atividade suspeita. Segundo Giffin, a partir do século XVI, essa tradição (partejar) começa a sofrer regulamentações, governamentais ou da igreja, submetendo as parteiras das cidades europeias a exames prestados diante de comissões municipais ou eclesiásticas. Apesar da aproximação médica ao parto no início do século XVI, foi durante os séculos XVIII e XIX que essa prática se desenvolveu, organizou, e se legitimou, em meio aos discursos de exaltação da maternidade. A criação do fórceps, pelo cirurgião inglês
Peter Chamberlain, e o desenvolvimento da técnica, leva a um declínio na profissão das parteiras, permitindo a expressão concreta da intervenção masculina nos cuidados ao pé do leito, e substituindo enfim o paradigma não-intervencionista pelo parto controlado pelo homem. Como meio de facilitar tais intervenções, e sob a influência de François Mauriceau, da escola obstétrica francesa, o parto horizontal também passa a ser adotado. Mais do que qualquer outro instrumento, o fórceps simbolizou a arte da obstetrícia médica, influenciando sua aceitação como disciplina técnica e científica consolidando definitivamente o conceito de que o parto é um evento perigoso. De acordo com Sato e Brito, a partir daí, o parto acabou sendo caracterizado como evento médico, cujos significados científicos aparentemente viriam a ser privado, íntimo e feminino, e passa a ser vivido de maneira pública com a presença de outros atores sociais. No entanto, a competição entre médicos e parteiras estendeu-se durante séculos. As parteiras, não tendo acesso à universidade, portanto, ao conhecimento, foram aos poucos se tornando subordinadas aos cirurgiões e físicos e se afastando gradualmente das práticas obstétricas. O avanço do capitalismo industrial acabou por culminar com o monopólio dos médicos no exercício da obstetrícia. Entretanto, foi necessário todo o século XIX para que fossem desenvolvidas novas técnicas de cirurgia, anestesia e para o uso da assepsia durante o trabalho de parto, e a institucionalização do parto foi fundamental para o desenvolvimento de tais técnicas. Com o aprimoramento do saber médico, o índice de mortalidade materna começou a diminuir, o que contribuiu para a aceitação da hospitalização perante a sociedade. Ter seus filhos em hospitais passou a parecer mais seguro para as mulheres. 
    No Brasil, o desenvolvimento da obstetrícia não se deu de forma distinta da Europa. No período colonial, as parteiras eram detentoras da arte de partejar, possuidoras do saber empírico e praticantes de artes místicas como forma de minimizar o sofrimento das parturientes. Entretanto, no Brasil, a evolução da obstetrícia se deu de forma lenta e gradual, uma vez que dependia da vinda de profissionais estrangeiros ou do retorno de alguns aristocratas que tivessem ido estudar na Europa. Quando a corte portuguesa veio para o Brasil, parteiras francesas formadas foram trazidas pela Faculdade de Medicina de Paris. Além de partejar, elas vacinavam contra varíola, sangravam e tratavam de moléstias do útero. Em pouco tempo, também foram inauguradas as primeiras faculdades do Brasil, incluindo o curso de parteira. Vale ressaltar que todos os professores dos cursos de farmácia, medicina e de parteiras criados eram médicos, e que permaneceram por décadas apenas como um estudo teórico, utilizando-se bonecos para as simulações. Como forma de facilitar o estudo do corpo da mulher, os médicos do século XIX passaram a discursar em favor da hospitalização, da criação de maternidades e a colocar em dúvida a competência das parteiras. Na sociedade colonial, as mulheres tinham seu papel determinado pela vida familiar, vinculado a sua atividade puramente reprodutiva, onde se podia perceber uma tendência pró-natalista, com a igreja fomentando a procriação e atribuindo aos sofrimentos decorrentes do parto uma oportunidade purificadora, redentora dos pecados, para a ressurreição. Giffin e Costa, ao falarem sobre o início da dominação do corpo feminino, na época, relatam que de forma particular e decisiva a igreja teve como grande aliada a medicina. Médicos e padres tinham acesso à intimidade das mulheres, mesmo que com objetivos distintos: um voltado ao cuidado com a alma; o outro, com o corpo. 
    O final do século XIX foi marcado por discussões acerca de a quem competia o cuidado com o parto, e as declarações oficiais afirmavam não ser digno de um médico ou cirurgião tal prática, cabendo-lhes apenas os atendimentos mais graves, onde se necessitava a utilização do fórceps ou a execução de cesarianas. Vale destacar que a posição das mulheres frente ao processo de medicalização não foi propriamente a de vítima. As mulheres de classe mais alta não aceitavam mais sentir a dor do parto e não desejavam correr mais riscos, além de parir com a assistência de um médico significar maior poder aquisitivo de seus maridos. Com isso, a consolidação do processo de medicalização e hospitalização do parto acontece em meados do século XX, juntamente com o surgimento das grandes metrópoles e a criação de hospitais, marcando o fim da feminilização do parto, levando ao predomínio do parto hospitalar, marcado por intervenções cirúrgicas, utilização de fórceps profilático e episiotomias desnecessárias. Durante a história, a medicina adquire o poder de transformar eventos fisiológicos em doenças, representando uma forte influência ideológica na nossa cultura, capaz de tratar a gravidez e a menopausa como doenças, transformando a menstruação em um distúrbio crônico e o parto em um evento cirúrgico.

Referências:
SEIBERT, S.L.; BARBOSA, J.L.S.; SANTOS, J.M.; VARGENS, O.M.C. Medicalização X Humanização: O cuidado ao parto na história. R. Enferm. UERJ. V. 13, 2005. 

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